quinta-feira, 22 de maio de 2014

1984: Uma "voraz" distopia da realidade

É quase unânime entre os literários que o romance " 1984 " de George Orwell é um dos mais brilhantes escritos no século XX. O livro foi lançado em um fatídico ano de 1949, em um contexto pós-guerra e início da guerra de poderio entre URSS e Estados Unidos ( socialistas e capitalistas ), conhecida como Guerra Fria. O mundo bipolar era uma realidade presente e o inteligente escritor britânico foi perspicaz na construção da sua distopia do século XX. 



Recentemente fiz a releitura deste clássico, pois me senti mais preparado para entendê-lo. Não é um livro complicado e rebuscado. Nada disso. "1984" tem uma linguagem fácil e um personagem principal que mantêm a trama muito interessante. Pra quem não conhece o enredo, segue a seguir uma sinopse:

Winston, herói de 1984, vive aprisionado na engrenagem totalitária de uma sociedade completamente dominada pelo Estado, onde tudo é feito coletivamente, mas cada qual vive sozinho. Ninguém escapa à vigilância do Grande Irmão ( Big Brother ), a mais famosa personificação literária de um poder cínico e cruel ao infinito, além de vazio de sentido histórico. O mundo distópico de Winston é divido em três: Ocêania ( onde ele vive ), Eurásia e Lestásia. De fato, a ideologia do Partido dominante em Oceânia não visa nada de coisa alguma para ninguém, no presente ou no futuro. O Brien, hierarca do Partido, é quem explica a Winston que só nos interessa o poder em si. Nem riqueza, nem luxo, nem vida longa, nem felicidade: só o poder pelo poder, poder puro.



Ele utilizou-se das experiências com o totalitarismo ( nazismo alemão, etc ) e criou um mundo ficcional, no qual as pessoas vivem em uma aparente "boa" sociedade. Em 1984, a história é reescrita a todo momento, sendo modificada de acordo com as necessidades do Partido e do Grande Irmão. Não há leis, mas todos sabem o que deve ser feito ou não. Caso seja contra os ideais do partido ( pensar é uma delas ), você simplesmente desaparece. É como se nunca tivesse existido. A cada ano, o partido diminui mais a língua fazendo com que a "novilíngua" substitua o inglês e restrinja o ato de raciocinar. A sociedade sempre está em guerra. Não importa o inimigo ( uma hora Eurásia outra Lestásia ). E desta forma, inibindo o pensamento e ações contrárias; controlando a maioria pobre chamada de prole ( 85% da Oceânia ); destruindo qualquer um que seja contrário ao partido; zelando pela imagem do "Grande Irmão";  a distopia de Orwell cria um clássico atemporal. Ele, brilhantemente, escolheu o ano de 1984. A década de 1980 foi berço de várias ditaduras ( financiadas pelos EUA ) na América Latina, que, entre semelhanças, era contrária à liberdade de expressão e a oposição ao governo.

GUERRA É PAZ
LIBERDADE É ESCRAVIDÃO
IGNORÂNCIA É FORÇA

Outro fator mensurável é o controle. Em 1984, o grande irmão está em todos os lados. Sua figura imponente habita as paredes de quase todos os estabelecimentos. As casas e os locais públicos possuem uma "teletela"  que tudo vê e tudo percebe. Até nos sonhos você é vigiado e se suas atividades forem suspeitas, você será investigado pela polícia do pensamento. O Grande Irmão de 1984 foi referência para o holandês John de Mol na criação do famoso programa "Big Brother".



Aproveitando-se que as distopias estão na "moda" com os best-sellers das trilogias "Jogos Vorazes" e "Divergente", decidi fazer um pequeno paralelo entre essas realidade.
  
Essas trilogias também são distopias como o 1984. Segundo o dicionário online de português, uma distopia é um "local imaginário, circunstância hipotética, em que se vive situações desesperadoras, com excesso de opressão ou de perda; antiutopia". 



No caso de Jogos Vorazes, a sociedade é dividida em distritos, no qual alguns são pobres e oprimidos e de maioria trabalhadora; e outros são ricos e consumidores. Esses distritos se veem obrigados a participar dos jogos vorazes e cada um tem dois tributos. Em uma arena ( não no estilo romana ), os tributos de todos os distritos se enfrentam até a morte, em um jogo televisionado. Só um sobrevive.

Em Divergente, a sociedade se divide em facções de acordo com aptidões. Porém, algumas pessoas são divergentes e tem múltiplas aptidões. Essas pessoas são um perigo para a ordem e o sistema. São caçadas e exterminadas. A guerra pelo poder faz com que esses divergentes sejam os únicos capazes de deter uma disputa sem igual.

É evidente que as duas trilogias possuem traços perceptíveis da obra de George Orwell. O fato da sociedade ser controlada e subjugada é um mero detalhe. As distopias descrevem o governo, poder, ou o partido, como um ente quase impossível de se derrotar. A figura de um estadista ( no caso de Jogos Vorazes ) que não mede forças para concluir seus objetivos. A sociedade que vê e é controlada por tudo.  Em Jogos Vorazes tudo é televisionado como um grande reality show. Nada é feito sem um roteiro. É tudo tão fútil. Já em Divergente as coisas são mais diretas: "Exterminar todo divergente". É o mesmo que se passa em 1984 quando percebem que uma pessoa está agindo de forma suspeita, ou é capaz de pensar além do que eles desejam. O extermínio deles é intelectual, mas não deixa de ser a mesma coisa.

É claro que as trilogias de hoje são uma releitura juvenil daquele clássico livro que deve ser lido por todo e qualquer cidadão. Gosto muito de "Jogos Vorazes" e a crítica intrínseca nas páginas da trilogia. Enfim, essa mera relação é apenas uma releitura que eu fiz da leitura destes livros. O incontestável é que 1984 é sim uma voraz distopia da nossa sociedade, mas que, infelizmente, vem deixando de ser apenas um pesadelo distante e se tornando uma realidade amarga, e muitas vezes até pior, que o longínquo ano de 1984.



terça-feira, 20 de maio de 2014

"Hoje eu quero voltar sozinho"

Na última quinta-feira, 15/05, os londrinenses tiveram a oportunidade de irem ao lançamento do longa: " Hoje eu quero voltar sozinho", filme alternativo baseado no curta " Eu não quero voltar sozinho". A estreia se deu às 20:30 hrs no Cine Contour.



O filme dirigido por Daniel Ribeiro era muito aguardado, e eu era um desses ansiosos que contavam os dias pra vê-lo nas telonas. É claro que a ansiedade nasceu logo quando vi no Youtube o curta, que é  simplesmente encantador. O engraçado é que o tema sexualidade não é  centro das atenções no filme. O foco são as descobertas e a independência que se tornam realidade na vida dos adolescentes.



Pra quem não conhece a trama, o filme e o curta contam a história de Leo ( Guilherme Lobo), um garoto cego que em meio às descobertas comuns da adolescência, lida com sua deficiência e com a paixão por um novo colega de classe, o Gabriel, interpretado por Fábio Audi. Entre a vida "comum" de um adolescente, Leo e Gabriel criam um laço que vai além da amizade. Entre os dois, está Giovana ( Tess Amorim ). Melhor amiga de Leo, ela se envolve nesse triângulo, quando percebe ter ciúmes de Leo com Gabriel. Entre a busca por liberdade e independência, o longa vai se construindo conforme as personagens crescem e assumem as diferenças que existem entre eles. 

Além do fator sexualidade na adolescência, o filme trata sobre a tão sonhada independência e também sobre preconceitos. Neste longa o preconceituoso não é o vilão. Ele é simplesmente um babaca que quer ser engraçado. A história de Leo e Gabriel é retratada de uma forma simples e pautada nas descobertas. A medida que eles se percebem e criam um laço, o genuíno amor e o desejo são encarados de forma natural. 


Algo interessante é o fato do personagem principal ser cego. Esta característica foi tema também de preconceitos e de motivação de um conflito de Leo com os pais.

Outro ponto forte é a paixão sem a troca de olhares. Você consegue perceber o surgimento dos sentimentos com a forma como os toques se tornam importantes e com a ansiedade de ver um ao outro. Amor além de estigmas preconceitos e ideais.

" Hoje eu quero voltar sozinho" é um filme com uma beleza tão singela e terna que é difícil não sair do cinema meio que apaixonado pelo longa. Se o curta já foi capaz de seduzir milhares de pessoas ( diga-se de passagem que conheço vário estrangeiros que o conhece ), o longa vai apaixonar. A relação do primeiro amor vista sem malícia. Como é se apaixonar sem a troca de olhares? A inocência e a independência. O filme só peca com alguns espaços vazios e diálogos desnecessários, mas complementa esses erros com uma trilha sonora incrível e atuações ótimas. Pra um filme alternativo e de pouca "grana", é um sucesso o que esse filme pode fazer. Sem preconceitos e com amor, isso eu diria pra quem vá assisti-lo.

Em Londrina, o filme continuará em cartaz até o dia 28 de maio com sessões às 16 hrs, nos finais de semana,  e às 20:30 hrs durante a semana. A seguir segue o curta pra quem ainda não viu:


segunda-feira, 12 de maio de 2014

Gabriel García Márquez e seus quase cem anos de solidão

Retratar a América Latina em um único livro é uma tarefa árdua, na qual, pouquíssimos escritores, jornalistas ou historiadores tiveram êxito. Podemos dizer que na literatura, a obra que mais atende a esse desafio é "Cem Anos de Solidão", romance do recente falecido escritor colombiano, Gabriel García Márquez. Mas, por qual razão essa região se opõe a um retrato fidedigno?



A América Latina se tornou uma grande colcha de "retalhos", na qual, culturas, línguas, populações e ideais foram difundidos por suas extensas terras que correspondem a 14% da superfície terrestre. Em nenhum outro lugar, as línguas românticas ( português, francês, espanhol ) foram tão difundidas. A língua "latina" se confunde em palavras e expressões de seu povo com faces distintas e misturas diversas. Do calor mexicano ao frio da Patagônia, nossa história se confunde entre muito mais do que cem anos de subjugação à Europa e seus ideais expansionistas.

Agora, voltando o foco deste texto ao livro em questão, "Cem Anos de Solidão" é feliz no retrato desta região, pois focaliza suas páginas no âmago dos latinos: a família. No livro, você se envereda pela solidão dos "Buendía", uma família que vive em um pequeno povoado no meio do nada: Macondo. Os Buendía poderíam ser os "Silva", os "Pereira", talvez os "Cavalcantes" e, por que não os "Marquez"?

Essa família ( cuja a extensa árvore genealógica se encontra no início do livro ) é fundadora do povoado ( depois cidade ) de Macondo. O patriarca da família é José Arcádio Buendía e a matriarca Úrsula Iguarán. As gerações seguintes são frutos das superstições, dos medos, da guerra, das aflições e da extrema solidão que afoita a família e os habitantes de Macondo. 



Durante a leitura do livro você pode se confundir com os nomes dos personagens, pois é de gosto da família repeti-los. Os fatos nem sempre são cronológicos, e as palavras articuladas e cheias de poesia de Gabo ( como era conhecido o autor ) abrilhantam o texto.

" (..) um século de baralho e de experiência tinha ensinado que a história da família era uma engrenagem de repetições irreparáveis, uma roda giratória que teria continuado dando voltas até a eternidade, se não fosse o desgaste progressivo e irremediável do eixo." ( MÁRQUEZ, pg.428)


É importante ressaltar que Gabriel García Márquez ganhou em 1982 o nobel de literatura por sua suas importantes obras. Criador do realismo mágico ( interesse em mostrar o 'estranho' como algo corriqueiro e comum ), Gabo em seu discurso na premiação do Nobel em Estocolmo afirmou: 

" Em cada linha que escrevo trato sempre, com maior ou menos fortuna, de invocar os espíritos esquivos da poesia, e trato de deixar em cada palavra o testemunho de minha devoção pelas suas virtudes de adivinhação e pela sua permanente vitória contra os surdos poderes da morte." 



Em " Cem anos de solidão" ele denúncia a tristeza que vivem os latinos, esquecidos pela sua miséria e seus costumes supersticiosos. Em Macondo a morte demorou-se por chegar, mas quando se fez presente foi um massacre. As lutas e as guerras descritas no livro, muitas vezes não faziam sentido nem mesmo para seus personagens, que insistiam em lutar por um fim provável.  A magia e o atraso social eram o encanto e o medo da população. Como quando chegavam os ciganos com suas novidades e descobertas, trazidas de não muito longe, mas onde nenhum habitante de Macondo se aventurava a ir. A familia Buendía passou gerações carregadas de superstições que ninguém ousava contradizer. A esperança não vencia a solidão, que acompanhou cada personagem até o seu leito de morte. Úrsula, a matriarca, foi a única a sobreviver as seis gerações e a sua comumente melancolia, e quando enfim a morte chegou, foi com anunciada antecipação. 

Acredito eu, que a beleza deste livro está nas palavras poéticas que Gabo descreve seus personagens e suas vidas simples. Confirmo novamente que está intrínseca nessas páginas a história latina. A ditadura, a superstição, o medo, a guerra, a simplicidade e a solidão que vivíamos ou vivemos por aqui, foi retratado de forma poética.



"Cem anos de Solidão" é um importante livro pra todo aquele que se interessa pela suas origens e pela história de suas terras. O escritor colombiano, de forma singela, procurou retratar suas origens ( nasceu em Aracataca em 1928 ) e seu grande conhecimento sobre a América Latina ( sabe-se que Gabo foi importante personagem dos bastidores na história política latina ). 

Esse é meu segundo livro do autor ( recentemente li "A aventura de Miguel Littin, clandestino no Chile ) e estou ansioso por ler os belos títulos que ainda me faltam: " Amor nos tempos do Cólera", " Memórias de minhas putas tristes", "Ninguém escreve ao Coronel", "Do amor e outros demônios", etc. 

Acredito que após terminá-lo me sinto mais solitário do que minha alma latina já me permite ser, e também melhor conhecedor desse infortúnio que teima em ser característico de todos nós latinos: a solidão.

"Não é verdade que as pessoas param de perseguir os sonhos porque estão a ficar velhas, elas estão a ficar velhas porque pararam de perseguir os sonhos." Gabriel García Márquez